segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Pelicano

Descendo em tubo, turbilhão molhado

vestindo penas de aço com filho dos outros no papo

acumula tudo, não se despe de nada

sem vivência como o amanhã

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Paris de Dia ou de Noite?

Com uma grande quantidade de filmes a produção de Woody Allen tem me gerado uma curiosidade diversa nos últimos anos. Claro que todas as suas obras sempre levam a sua marca muito forte, seus métodos de criação variados, inesperados e inconfundíveis, porém os últimos dois filmes antes de Meia-Noite em Paris só levavam a marca de sua inconstância e conflito entre o desgosto cômico e uma doçura romântica. Seu mais recente filme também exibe estas cicatrizes, porém consegue ser uma homenagem bem resolvida ao que é a criação artística, aos sonhos e à cidade de Paris.

O personagem principal Gil, interpretado por Owen Wilson, é como em muitos dos filmes do diretor uma de suas facetas e se revela um roteirista em crise, desejando superar o desafio de escrever um romance. Até aí tudo é muito comum no mundo de Allen, inclusive as discussões de casais inseguros, traição e brutalidade social, com as personagens caindo muitas vezes nos arquétipos do cinema que o próprio diretor ajudou a criar ao longo de sua trajetória. O curioso é quando ocorre uma inesperada viagem no tempo e o protagonista é convidado a passar diversas noites na Cidade-Luz dos anos 20, capital cultural da Europa que que é esperado dentro daquele ambiente, deixando até de ser um pouco menos uma representação do Woody Allen que vemos em tantos filmes. Seu modo de falar, as pausas e até a respiração enrolada remete à interpretação que o próprio diretor faz, estranhamente, afinal Owen Wilson é um ator que não costuma sair tanto de si mesmo e também tem um modo característico de atuar em papéis com um ar meio abobalhado e ao mesmo tempo esperto. Isso não estraga o filme, pois está preenchido por personagens históricos que são interpretados de modo muito pessoal na visão do diretor, o próprio Hemingway de Allen fala o tempo todo como o seu texto corrido e expressa idéias que não só estavam em seu texto, mas também em descrições de amigos e relatos de época. Não faz mal que os personagens sejam vistos como personagens, eles se colocam em um nível alegórico que explica como um diretor norte-americano e fã de suas obras os imagina, do mesmo modo que Gil esperava que fossem.

A relação da visão do diretor para os personagens é forte também na relação que eles possuem com Paris, a cidade é retratada de uma forma muito bela em seu início, porém o clima é criado com imagens já esperadas, ou seja, tudo o que um turista gostaria de ver. A intimidade só acontece com a viagem no tempo e o ambiente é cercado por alegria, sensualidade e criatividade apenas nos anos 20, o que nos faz pensar que talvez seja mais fácil acessar a Paris do imaginário literário e do tempo interno dos personagens do que a verdadeira cidade.

Acredito que o filme tenha me despertado atração pelo que consegue extrair das situações inusitadas e dos diálogos e não da trama maior que cerca o personagem principal e o faz decidir o que realmente deseja, afinal sua vida é tão vazia e cercada de chavões que chega a ser previsível e nos afasta um pouco dele. Nada mais agradável e incansável do que um final feliz em uma noite de chuva.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Menos Trovões, Por Favor

Thor é a mais recente adaptação de um personagem de Histórias em Quadrinhos para o Cinema, mais especificamente a adaptação de um super-herói da editora Marvel Comics. Nos últimos anos criou-se um subgênero dentro dos filmes de Aventura e de Fantasia graças aos esforços conjuntos das antigas editoras de HQ's para transplantar seus antigos produtos para outras linguagens, como desenhos animados e filmes para Cinema, grande parte do sucesso se deve à fusão destas editoras com as Majors do audiovisual. A parte que cabe à Marvel Studios foram filmes feitos pela Paramount e pela FOX após sua aquisição pelo grupo Disney.

O motivo para iniciar a análise com estas características é explicar que o filme, como produto, é um resultado entre muitos de um esforço conjunto de reerguer a indústria das HQ's que estava indo à falência nos anos 90. Isso fez com que determinadas editoras transpusessem sua linguagem já consagrada em bandas desenhadas e criassem um código próprio, formatado dentro do Cinema Clássico norte-americano, porém com algumas atualizações e subversões. O grande problema deste código é que ele tornou-se repetitivo, engessando novas produções e tornando muito similares personagens outrora completamente diferentes entre si: o subgênero nasceu pobre e ainda não conseguiu ir muito além disso.

A diferença entre os personagens nas HQ's se dava especialmente por suas diversas origens. Quando cito origem de personagem eu falo da criação, conceito e contexto histórico em que foram criados, já que a linguagem se tornou uma das primeiras mídias a adotar produtos diferentes para diferentes perfis de público e de idade, se preocupando com adultos, adolescentes e crianças. Com a mercantilização mais voraz houve uma compra em massa de personagens de editoras menores por editoras maiores, que criaram um verdadeiro leque e diversos selos diferentes para comportar toda a gama diferenciada de histórias. Com o passar do tempo a falta de visão das grandes editoras (especialmente a Marvel e a DC) tornou os produtos enfadonhos e repetitivos e viu-se uma queda gigante no consumo de seus produtos, que não conseguiam competir com outras mídias de entretenimento.

Como em qualquer meio existem grupos independentes ou alternativos que tentam inovar e mudar a linguagem, porém o avanço da linguagem da HQ se deu muito mais em direção ao aproveitamento de espaço na página e até das próprias características físicas da página de papel, como tamanho, gramatura, transparência, etc, do que em uma ruptura narrativa do que já estava sendo feito nos quadrinhos e na literatura de anos anteriores. A grande questão que assombra “Thor” é que vemos a adaptação dessa linguagem pobre e conhecida para as telas, o pior momento da linguagem dos quadrinhos, que é a de formatar histórias antes mais complexas e tornar qualquer personagem insípido e parecido com tantos outros.

O filme possui um formato de narrativa dramática clássica e apresenta o personagem logo no início do filme, através de um flashback que nos tira do planeta terra e nos leva à terra-natal do personagem, um lugar lendário chamado Asgard. A representação de Asgard como um lugar de mito e imaginação não convence o espectador atual, ela abusa de efeitos especiais que realmente se parecem com efeitos especiais, ou seja, é quase impossível fecharmos um acordo de credibilidade com o filme quando vemos seres humanos interagindo com ambientes claramente desenhados em computador. A antiga terra das lendas nórdicas que inspirou tantos povos e gerou tantas canções e mitos parece ser feita de pixels, e não de sonhos.

Outra questão importante é que o figurino e os objetos de cena nos lembram que estamos vendo atores fantasiados. É tenebrosa a visão de um ator fantasiado lutando contra criaturas criadas em computador em um ambiente 3D que não é crível, o que acontece muito durante os primeiros 30 minutos da obra.

Thor, o deus do trovão, se sai muito melhor quando aparece depois do flashback em nosso planeta. Ele é mais convincente com uma roupa comum, em ambientes humanos e demonstrando suas fraquezas depois de perder todos os poderes. O resultado é que o público ri, grita e interage na sala de exibição. O mesmo acontece em outros filmes que a Marvel produziu, o Homem-Aranha sem uniforme andando na rua é bem mais simpático do que quando é feito balançando em sua teia entre prédios na Manhattan 3D. Finalmente, o filme não supreende no conteúdo, mas brinca com o que se espera de um herói com muito bom humor. Se pudermos separar os tipos de heróis já estabelecidos poderíamos dizer que Thor é um Herói Heróico, ou seja, não tem nada de mundano ou anti-herói, ele é tudo o que esperamos de alguém que passou pela jornada de transformação e cresceu com isso. Porém, quando fragilizado, protagoniza cenas cômicas dignas de um pastelão, o que nos faz querer que as cenas em Asgard e de combate passem mais rápido para que a história de fundo, mais simples, avance.

Infelizmente o resultado de tudo é um entretenimento medíocre, de um subgênero que não tem variado muito e que nos oferece bolos sempre com o mesmo sabor e uma cobertura diferente. O diretor Branagh se sente muito mais à vontade em seu campo de atuação, ou seja, quando trabalha com pessoas, e isso se reflete na tela. Espero que tenha mais sorte da próxima vez.

André Natali


terça-feira, 3 de maio de 2011

Desafio RPG - Pergunta 01

Dia 01 – Meu primeiro RPG

Meu primeiro RPG foi GURPS. Eu já tinha contato com alguns livros-jogo da série Aventuras Fantásticas (joguei algumas milhares de vezes "A Cidadela do Caos", "O Feiticeiro da Montanha de Fogo" e "Robô Comando") e também pirei muito nos gibis de jogo dos Trapalhões (Didiana Jones era o máximo), estou mencionando esses jogos porque são intimamente ligados ao início do contato com os RPGs, porém roleplay mesmo foi GURPS.

Um grande amigo meu, que era mais velho, fazia curso de desenho e curtia muito HQ's. A turma dele desse curso jogava RPG e uma bela tarde ele chegou na minha casa com aquele livro branco com a cabeça roxa do Generic Universal Roleplay System da 2ª edição. Foi incrível jogar "A Caranava para Ein Arris" sozinho, com um GM amigo ensinando as regras. A partir daí nunca mais larguei RPG, mesmo estando longe dos meus grupos originais continuo lendo e de olho nas novidades.

O Desafio RPG

Vi no blogo do Valberto, o Lote do Betão, a proposta de uma enquete de vários dias relacionada a RPG e me animei em responder também. O Betão referenciou a enquete ao Bruno Cobbi, que eu não conheço, mas gostei bastante da idéia. Aqui vai a lista, vou responder uma por dia depois da pergunta 04, pois comecei atrasado =)

Dia 01 – Meu primeiro RPG
Dia 02 – Meu personagem favorito
Dia 03 – Um jogo que é subestimado
Dia 04 – Aquele joguinho que você joga, mas ninguém sabe.
Dia 05 – Personagem com o qual mais me identifico
Dia 06 – O personagem mais chato
Dia 07 – Meu casal de personagens favorito
Dia 08 – A melhor trilha sonora
Dia 09 – O jogo com a cena mais triste
Dia 10 – A melhor jogabilidade (ie. Elegância de regras)
Dia 11 – O melhor RPG adaptado de outra mídia
Dia 12 – Um RPG que todo mundo deveria jogar
Dia 13 – Um RPG que vale um rank de 5 estrelas
Dia 14 – O melhor MMORPG
Dia 15 – Uma screenshot/foto do que estou jogando agora/ atual campanha
Dia 16 – RPG com a melhor cena cinematográfica
Dia 17 – Meu antagonista favorito
Dia 18 – Meu protagonista favorito
Dia 19 – Cenário ou local de um RPG que eu gostaria de viver
Dia 20 – Meu gênero de RPG favorito
Dia 21 – RPG com a melhor história
Dia 22 – Um jogo que me desapontou
Dia 23 – RPG com o melhor gráfico ou estilo artístico
Dia 24 – Meu clássico favorito
Dia 25 – Um RPG que eu planejo jogar
Dia 26 – Melhor atuação em jogos
Dia 27 – A cena mais épica ever…
Dia 28 – RPG que eu achei que não ia gostar mas acabei amando
Dia 29 – Meu desenvolvedor de jogos favorito
Dia 30 – Meu RPG favorito de todos os tempos

terça-feira, 12 de abril de 2011

Light

O Cinema Nacional não passou por épocas de produção tão intensa e industrial quanto o estadunidense, portanto não teve como resultado um grande número de obras inspiradas ou baseadas em fatos reais. Um dos principais filmes “baseados em fatos reais que marcaram o público” do Brasil é “O Bandido da Luz Vermelha”, dirigido por Rogério Sganzerla em 1968. Além do personagem principal ter seus crimes e características inspirados pelo assaltante e assassino João Acácio Pereira da Costa, a abordagem do filme é uma sátira completamente relacionada à mídia e à opinião pública da época dos crimes.

Na época de produção do filme houve uma movimentação pouco planejada e não muito autoconsciente de alguns diretores do nosso país. Esta movimentação se direcionou a temas pouco vistos e anteriormente evitados; era um cinema fruto da Boca do Lixo, resultado de uma estética decadente e com uma visão política menos utópica que a do Cinema Novo, mais amarga em relação ao futuro. O chamaram de Marginal.

Nada mais marginal que ter como personagem principal um vilão e deixa-lo ser retratado pela boca dos outros. O filme se utiliza de uma narrativa guiada por locutores de rádio e imagens de manchetes sensacionalistas de jornais para nos descrever o seu Bandido da Luz vermelha. Enquanto um narrador homem e outra mulher se revezam o chamando de vil, tarado sexual, misterioso, ousado e até utilizam o ridículo adjetivo bobo, o próprio personagem narra em primeira pessoa seus crimes e fala sobre seu passado: se descreve como um descrente e um sem futuro, se justifica para os outros sem sentir dó de si mesmo ou remorso dos crimes cometidos, vive em uma confusa contradição.

Enquanto sua imagem é pintada pela imprensa ele mesmo se convence dessa imagem, é como se a mídia o afetasse como a qualquer outra pessoa comum, e isso só o motiva a continuar cometendo mais crimes. Sganzerla mostra que João Acácio guardava tiras recortadas de notícias sobre seus crimes e, dentro de sua busca de compreensão existencial, ele da uma autorização e um poder para a grande imprensa criar uma imagem dele para que se transforme em uma ilusão para ele mesmo. O resultado é que passa a se ver como um personagem, cada linha a mais que o transforma em mito o desumaniza mais um pouco.

À certa altura do filme vemos a crítica cada vez mais feroz: a questão ética dentro da história do filme é tratada com mais dureza do que a questão de como a ética da narrativa do filme é construída, ou seja, as ações condenáveis dos personagens passam a ser mais importantes do que a forma imoral que o filme os relata. Nada mais justo dentro de uma ironia do que não se levar a sério, ao passar do tempo os locutores de rádio falam tanto dos assaltos, assassinatos e supostos estupros que João Acácio, antes conhecido como Bandido da Luz Vermelha, passa a ser tratado apenas como Luz. Seu nêmesis natural, o também romantizado investigador policial do submundo se torna extremamente conhecido pelo grande público sob a alcunha de Cabeção.

Por mais terríveis que fossem os crimes de Luz a roupagem dada a eles pelos narradores faz com que o monstro se torne sedutor, íntimo de quem acompanha a história. Se fizessem um cartaz de procurado para ele como nos filmes de faroeste, com certeza algumas pessoas tentariam capturar o personagem vivo pensando: “Ele não é tal mau assim”. De certa forma o filme o protege, já que as acusações em cima do João Acácio do mundo real nunca conseguiram provar estupros ou abusos sexuais; já os assaltos, sequestros e assassinatos foram amplamente divulgados e provados de diversas maneiras. O personagem, como um anti-herói com uma pegada sexual e livre, muda de função, emprego e objetivos com a maior facilidade. A falta de perspectiva o torna um homem bruto, a selvageria o convence de que ele pode levar uma vida invejável, que qualquer ser humano sem sua coragem desejaria.

Os valores distorcidos do heroísmo dão uma ilustre capa de mistério ao bandido. Como já mencionei antes, esta camada narrativa é criada com a intenção de chocar. Cada vez que um narrador louva um crime ou trata a brutalidade de forma natural o filme sacrifica sua própria ética em nome da ironia e critica os meios de comunicação de massa. Como Filme, a obra “O Bandido da Luz Vermelha” possui poder de comunicação para as massas, porém sua estética de expressão pode levá-lo ao status de também ser uma obra de arte, o que o imuniza de qualquer julgamento moral na forma de como diz as coisas, já que a arte não existe para agradar e sim para despertar e revitalizar anseios humanos.

O tema e a mensagem final podem e devem ser analisados sob um olhar ético, e no final passam uma idéia importante e até mais dócil do que a realidade, porém a linguagem utilizada pra isso tem sua origem marginalizada e deve ser tratada com cuidado. Às vezes o filme diz uma coisa com a imagem, outra com som, outra com a ação, e a combinação de todos os fatores resulta em uma mensagem completamente diferente. É o caso do “Bandido da Luz Vermelha”, que de marginal mesmo só tem o “Luz” e o nome, já que foi criado com toda a atenção e cuidado para passar uma mensagem ética sobre a desgraça: ela aumenta à medida que só observamos e nada fazemos para ajudar o desgraçado.


André Natali, Janeiro de 2011

quinta-feira, 24 de março de 2011

Análise: “Equidade e iniquidade no ensino superior: uma reflexão”

O texto analisado expõe a posição favorável das autoras Vera Lúcia Felicetti e Marília Costa Morosini em relação às políticas de inclusão e ação afirmativa no ensino superior aplicadas pelo governo brasileiro nos últimos anos. Uma boa parte da pesquisa justifica a posição mostrando gráficos com os números de resultados de notas em exames do vestibular de universidades públicas e diferencia alunos originários de escolas particulares, de escolas públicas e alunos auto-declarados negros também vindos de escolas públicas.

Inicialmente é argumentado que a igualdade de oportunidades na educação se baseia em dois elementos, sendo eles a justiça em relação às diferenças de origem e a inclusão dos alunos no ensino sabendo o necessário das disciplinas requeridas para que acompanhem o conteúdo das aulas. A política de inclusão no ensino superior ajudaria a diminuir, pelo menos um pouco, o abismo criado entre as diferenças de qualidade e oportunidade que o ensino público e privado provêem, o que no Brasil geralmente significa o ensino público para os pobres e ensino privado para os ricos.

A equidade pode ser discutida apenas quando todos possuem as mesmas oportunidades : estudo, família, alimentação, tempo, recreação. A questão da qualidade dos ensinos é apenas um dos fatores para que possamos medir o menor desempenho de alunos vindos de escolas públicas auto-declarados negros ou não. A análise das notas de um aluno não quer dizer apenas em qual lugar ele estudou, mas sim a qual classe social pertence e quais chances lhe apareceram durante a vida até o momento do vestibular. Acredito em diversos argumentos do artigo quando me provam que a inclusão no ensino superior ajuda, pelo menos um pouco, a diminuir a diferença de oportunidades para estas pessoas, porém não acredito que este caminho seja o carro-chefe para uma política de inclusão social para um país. A grande questão levantada é se os alunos egressos do ensino público que conseguem uma vaga em instituição de ensino superior possuem base educacional para acompanhar o ensino no decorrer do curso.

A discussão poderia ser mais aprofundada medindo que conhecimento será utilizado nas aulas, o tipo de avaliação que o aluno terá na faculdade ou até qual foi o critério utilizado para a seleção de ingresso na Universidade. Não é função do texto discutir métodos de avaliação, porém o vestibular não pode e nem deve ser considerado uma prova infalível que mede a capacidade de aprendizado de um aluno após entrar no ensino superior. Só de entrarmos no assunto que cotas sociais, raciais ou o que seja, já colocamos o antigo sistema de avaliação por mérito em questão e podemos abrir novas portas para a conversa de qual é o melhor meio de avaliar se um aluno está preparado para a Universidade? Como prepara-lo para isso?

Observando os exemplos mostrados, em um mesmo Estado (Rio Grande do Sul), diversos órgãos federais escolheram cada um aplicar uma política diferenciada para a inclusão, desde acompanhamento de avaliação em cada série do ensino médio até cotas. Outras faculdades privadas em parceria com o Governo Federal utilizam outros meios de inclusão, sendo bancadas parcialmente por dinheiro público. O texto “Universidade em Ruínas”, resenha de Roberto C. G. Castro, nos lembra que é necessária uma política nacional de direcionamento do ensino, ou seja, os órgãos de ensino superior não estão caminhando juntos de forma planejada, mas sim tentando se adequar a uma tendência que supre uma necessidade da sociedade. Pior ainda: não existe reciprocidade de informações e intenções com o ensino médio para que o ensino superior deixe de ser uma ruptura e se torne uma extensão dos estudos.

É válido lembrar que existem cursos de curta duração de dois anos que permitem maior acesso aos alunos que não podem passar tanto tempo em sala de aula e precisam trabalhar ao mesmo tempo que lutam por um diploma de nível superior. Esta medida é realmente de inclusão ou só reforma o nome de cursos que seriam anteriormente considerados técnicos? Estes cursos não possuem como objetivo ou proposta formar cidadãos plenos com uma visão humanista, devemos chamar estas instituições de Universidades? Em nosso tempo a necessidade por um diploma se torna cada vez maior e mais real, porém, como visto no texto de Luiz Martins, se a Universidade possui desde seu início um papel civilizador, questionador, multidisciplinar e é independente do Tempo, como podemos deixar que a idéia do mercado se aposse do ensino?

Apesar da luta por igualdade o Ensino Superior também se dividiu em duas camadas: o ensino para ricos e para pobres. As cotas em Universidades Públicas só colocam panos quentes na ferida e abafam a discussão, pois elas sozinhas não vão fazer com que todos possuam acesso ao ensino. Como dever do Estado todos deveriam possuir vaga para desfrutar da Educação, mas a realidade passa longe disso e até os filhos dos abastados disputam com afinco uma vaga na Universidade Pública. Isso não se afasta muito do plano original de diversas Universidades, inclusive do da UnB: Darcy Ribeiro, em seu pronunciamento transcrito no livro “Universidade Pública: Sonhos, Pesadelos e Realidades”, já anunciou que a UnB foi criada com um foco vanguardista e ao mesmo tempo elitista, um celeiro de mentes que pudessem pensar em diversos projetos para o país e reverter a situação de desigualdade no futuro.

Provavelmente não conseguimos avançar tanto em tão poucos anos e ainda sejamos vivendo este plano incubado, tentando remediar diferenças muito maiores do que nossas capacidades permitem atualmente. Cabe a nós fazermos com que este antídoto para a desigualdade seja possível ao prepararmos o terreno a cada oportunidade, pois precisamos sim questionar a qualidade do ensino médio, a manutenção da qualidade do ensino superior e o acompanhamento de alunos, não importando sua origem, para que se mantenham dentro das universidades aprendendo.

A partir do momento em que o Estado reinveste o dinheiro de todos na educação da população (em cursos públicos ou privados) ele deve se preocupar em formar pessoas que possam dar um retorno para a sociedade, seja ele financeiro, educacional, artístico ou de pesquisa. Muitas vezes a educação muda o rumo da vida de uma pessoa para uma situação melhor, porém em cursos superiores existem vários casos de desistência, pois os alunos (uma boa parte deles ingressos pelo sistema de cotas) precisam trabalhar e não lhes resta tanto tempo para que se dediquem aos estudos. Finalmente, se a educação “humanista universal” defendida pelos primórdios da Universidade exige uma dedicação integral aos estudos e se o mundo atual exige uma dedicação parcial, senão maior, a tudo o que está fora do âmbito da Universidade, deve-se aplicar uma política de inclusão social levando em conta os dois elementos. Esse pensamento serviria para que a essência da formação de educadores, formadores de opinião e de cidadãos não se perca para o mercado ao mesmo tempo que os alunos possam garantir seu próprio sustento, superar o déficit de base educacional que o ensino público gera e trilhar a faculdade em pé de igualdade com todos os outros alunos.

Se existe ainda a pretensão de criar uma sociedade mais justa, se ainda podemos considerar as Universidades como centros de formação de pessoas que poderão pesquisar e desenvolver novas idéias, devemos iniciar a justiça social dentro delas mesmas. Não é possível chegar a um plano que respeite a pluralidade sem uma variedade de pessoas pensando justamente nestes problemas, sem levantar questões que sejam interiores e comuns às mais diferentes origens fabricadas por um país ainda desequilibrado.


André Sanches Natali

Análise feita para a disciplina Comunicação e Universidade - Profa. Dione Moura

2010

Bailarina

Mesmo tentando esquecer, a sapatilha me chuta para lembrar-me de que ela existe, vez ou outra se enganchando no meu bolso. Mas que tipo teria a idéia de me presentear com objeto tão curioso para guardar minhas chaves?

Uma sapatilha que não caberia no pé nem de uma pequena bailarina, por mais jovem que fosse, e é por isso que não cumpre sua função original e agora toma conta do que não nasceu pra proteger. Antes continuasse envolvendo pés pequenos e fortes, amarrando em segredo o punhado de machucados que só o pé de uma bailarina conhece, mas não; trancafia portas cada vez mais distantes.

Seria injustiça continuar acusando a sapatilha de se pendurar nas chaves, afinal eu mesmo as coloquei ali, juntas. Poderia ter usado como um amuleto em qualquer mochila esquecida nos poucos cantos livres do quarto e tenho certeza de que mesmo assim eu me lembraria dela. Espero que isso só acabe quando eu não tiver mais bolsos: os pés não precisarão mais se proteger.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

doisdocinco

Ela permite o acho
e acelera de um jeito fácil.
Depois de um décimo de segundo que se estende,
sorrio de um jeito fácil,
tentando podar alguns galhos secos
e soltar na lareira.
Lembrar do calo.
E sempre antes,
tudo dói mais no frio.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Últimos dias

e foram mesmo!
Eu até tentei ligar pra Samsara mas o código de área não batia. É difícil querer falar algo pra alguém e a operadora simplesmente não achar o destinatário dizendo que não existe. É claro que existe! Ele mesmo me passou as coordenadas praticamente pedindo pra que ligasse uns meses adiante...
Esmirilhei muito mais durante uma semana do que durante vários meses, talvez seja pra isso que a gente viva: a exceção. Eu já expliquei umas dez mil vezes: a coluna estirada no chão, o vento batendo na grama e um beijo no olho. Será que é pedir demais?
Eu nem espero mais, eu caço e estrangulo o que estiver pelo caminho mesmo sabendo que vai atrasar a minha jornada até o bote final.