segunda-feira, 4 de julho de 2011

Paris de Dia ou de Noite?

Com uma grande quantidade de filmes a produção de Woody Allen tem me gerado uma curiosidade diversa nos últimos anos. Claro que todas as suas obras sempre levam a sua marca muito forte, seus métodos de criação variados, inesperados e inconfundíveis, porém os últimos dois filmes antes de Meia-Noite em Paris só levavam a marca de sua inconstância e conflito entre o desgosto cômico e uma doçura romântica. Seu mais recente filme também exibe estas cicatrizes, porém consegue ser uma homenagem bem resolvida ao que é a criação artística, aos sonhos e à cidade de Paris.

O personagem principal Gil, interpretado por Owen Wilson, é como em muitos dos filmes do diretor uma de suas facetas e se revela um roteirista em crise, desejando superar o desafio de escrever um romance. Até aí tudo é muito comum no mundo de Allen, inclusive as discussões de casais inseguros, traição e brutalidade social, com as personagens caindo muitas vezes nos arquétipos do cinema que o próprio diretor ajudou a criar ao longo de sua trajetória. O curioso é quando ocorre uma inesperada viagem no tempo e o protagonista é convidado a passar diversas noites na Cidade-Luz dos anos 20, capital cultural da Europa que que é esperado dentro daquele ambiente, deixando até de ser um pouco menos uma representação do Woody Allen que vemos em tantos filmes. Seu modo de falar, as pausas e até a respiração enrolada remete à interpretação que o próprio diretor faz, estranhamente, afinal Owen Wilson é um ator que não costuma sair tanto de si mesmo e também tem um modo característico de atuar em papéis com um ar meio abobalhado e ao mesmo tempo esperto. Isso não estraga o filme, pois está preenchido por personagens históricos que são interpretados de modo muito pessoal na visão do diretor, o próprio Hemingway de Allen fala o tempo todo como o seu texto corrido e expressa idéias que não só estavam em seu texto, mas também em descrições de amigos e relatos de época. Não faz mal que os personagens sejam vistos como personagens, eles se colocam em um nível alegórico que explica como um diretor norte-americano e fã de suas obras os imagina, do mesmo modo que Gil esperava que fossem.

A relação da visão do diretor para os personagens é forte também na relação que eles possuem com Paris, a cidade é retratada de uma forma muito bela em seu início, porém o clima é criado com imagens já esperadas, ou seja, tudo o que um turista gostaria de ver. A intimidade só acontece com a viagem no tempo e o ambiente é cercado por alegria, sensualidade e criatividade apenas nos anos 20, o que nos faz pensar que talvez seja mais fácil acessar a Paris do imaginário literário e do tempo interno dos personagens do que a verdadeira cidade.

Acredito que o filme tenha me despertado atração pelo que consegue extrair das situações inusitadas e dos diálogos e não da trama maior que cerca o personagem principal e o faz decidir o que realmente deseja, afinal sua vida é tão vazia e cercada de chavões que chega a ser previsível e nos afasta um pouco dele. Nada mais agradável e incansável do que um final feliz em uma noite de chuva.