quinta-feira, 24 de março de 2011

Análise: “Equidade e iniquidade no ensino superior: uma reflexão”

O texto analisado expõe a posição favorável das autoras Vera Lúcia Felicetti e Marília Costa Morosini em relação às políticas de inclusão e ação afirmativa no ensino superior aplicadas pelo governo brasileiro nos últimos anos. Uma boa parte da pesquisa justifica a posição mostrando gráficos com os números de resultados de notas em exames do vestibular de universidades públicas e diferencia alunos originários de escolas particulares, de escolas públicas e alunos auto-declarados negros também vindos de escolas públicas.

Inicialmente é argumentado que a igualdade de oportunidades na educação se baseia em dois elementos, sendo eles a justiça em relação às diferenças de origem e a inclusão dos alunos no ensino sabendo o necessário das disciplinas requeridas para que acompanhem o conteúdo das aulas. A política de inclusão no ensino superior ajudaria a diminuir, pelo menos um pouco, o abismo criado entre as diferenças de qualidade e oportunidade que o ensino público e privado provêem, o que no Brasil geralmente significa o ensino público para os pobres e ensino privado para os ricos.

A equidade pode ser discutida apenas quando todos possuem as mesmas oportunidades : estudo, família, alimentação, tempo, recreação. A questão da qualidade dos ensinos é apenas um dos fatores para que possamos medir o menor desempenho de alunos vindos de escolas públicas auto-declarados negros ou não. A análise das notas de um aluno não quer dizer apenas em qual lugar ele estudou, mas sim a qual classe social pertence e quais chances lhe apareceram durante a vida até o momento do vestibular. Acredito em diversos argumentos do artigo quando me provam que a inclusão no ensino superior ajuda, pelo menos um pouco, a diminuir a diferença de oportunidades para estas pessoas, porém não acredito que este caminho seja o carro-chefe para uma política de inclusão social para um país. A grande questão levantada é se os alunos egressos do ensino público que conseguem uma vaga em instituição de ensino superior possuem base educacional para acompanhar o ensino no decorrer do curso.

A discussão poderia ser mais aprofundada medindo que conhecimento será utilizado nas aulas, o tipo de avaliação que o aluno terá na faculdade ou até qual foi o critério utilizado para a seleção de ingresso na Universidade. Não é função do texto discutir métodos de avaliação, porém o vestibular não pode e nem deve ser considerado uma prova infalível que mede a capacidade de aprendizado de um aluno após entrar no ensino superior. Só de entrarmos no assunto que cotas sociais, raciais ou o que seja, já colocamos o antigo sistema de avaliação por mérito em questão e podemos abrir novas portas para a conversa de qual é o melhor meio de avaliar se um aluno está preparado para a Universidade? Como prepara-lo para isso?

Observando os exemplos mostrados, em um mesmo Estado (Rio Grande do Sul), diversos órgãos federais escolheram cada um aplicar uma política diferenciada para a inclusão, desde acompanhamento de avaliação em cada série do ensino médio até cotas. Outras faculdades privadas em parceria com o Governo Federal utilizam outros meios de inclusão, sendo bancadas parcialmente por dinheiro público. O texto “Universidade em Ruínas”, resenha de Roberto C. G. Castro, nos lembra que é necessária uma política nacional de direcionamento do ensino, ou seja, os órgãos de ensino superior não estão caminhando juntos de forma planejada, mas sim tentando se adequar a uma tendência que supre uma necessidade da sociedade. Pior ainda: não existe reciprocidade de informações e intenções com o ensino médio para que o ensino superior deixe de ser uma ruptura e se torne uma extensão dos estudos.

É válido lembrar que existem cursos de curta duração de dois anos que permitem maior acesso aos alunos que não podem passar tanto tempo em sala de aula e precisam trabalhar ao mesmo tempo que lutam por um diploma de nível superior. Esta medida é realmente de inclusão ou só reforma o nome de cursos que seriam anteriormente considerados técnicos? Estes cursos não possuem como objetivo ou proposta formar cidadãos plenos com uma visão humanista, devemos chamar estas instituições de Universidades? Em nosso tempo a necessidade por um diploma se torna cada vez maior e mais real, porém, como visto no texto de Luiz Martins, se a Universidade possui desde seu início um papel civilizador, questionador, multidisciplinar e é independente do Tempo, como podemos deixar que a idéia do mercado se aposse do ensino?

Apesar da luta por igualdade o Ensino Superior também se dividiu em duas camadas: o ensino para ricos e para pobres. As cotas em Universidades Públicas só colocam panos quentes na ferida e abafam a discussão, pois elas sozinhas não vão fazer com que todos possuam acesso ao ensino. Como dever do Estado todos deveriam possuir vaga para desfrutar da Educação, mas a realidade passa longe disso e até os filhos dos abastados disputam com afinco uma vaga na Universidade Pública. Isso não se afasta muito do plano original de diversas Universidades, inclusive do da UnB: Darcy Ribeiro, em seu pronunciamento transcrito no livro “Universidade Pública: Sonhos, Pesadelos e Realidades”, já anunciou que a UnB foi criada com um foco vanguardista e ao mesmo tempo elitista, um celeiro de mentes que pudessem pensar em diversos projetos para o país e reverter a situação de desigualdade no futuro.

Provavelmente não conseguimos avançar tanto em tão poucos anos e ainda sejamos vivendo este plano incubado, tentando remediar diferenças muito maiores do que nossas capacidades permitem atualmente. Cabe a nós fazermos com que este antídoto para a desigualdade seja possível ao prepararmos o terreno a cada oportunidade, pois precisamos sim questionar a qualidade do ensino médio, a manutenção da qualidade do ensino superior e o acompanhamento de alunos, não importando sua origem, para que se mantenham dentro das universidades aprendendo.

A partir do momento em que o Estado reinveste o dinheiro de todos na educação da população (em cursos públicos ou privados) ele deve se preocupar em formar pessoas que possam dar um retorno para a sociedade, seja ele financeiro, educacional, artístico ou de pesquisa. Muitas vezes a educação muda o rumo da vida de uma pessoa para uma situação melhor, porém em cursos superiores existem vários casos de desistência, pois os alunos (uma boa parte deles ingressos pelo sistema de cotas) precisam trabalhar e não lhes resta tanto tempo para que se dediquem aos estudos. Finalmente, se a educação “humanista universal” defendida pelos primórdios da Universidade exige uma dedicação integral aos estudos e se o mundo atual exige uma dedicação parcial, senão maior, a tudo o que está fora do âmbito da Universidade, deve-se aplicar uma política de inclusão social levando em conta os dois elementos. Esse pensamento serviria para que a essência da formação de educadores, formadores de opinião e de cidadãos não se perca para o mercado ao mesmo tempo que os alunos possam garantir seu próprio sustento, superar o déficit de base educacional que o ensino público gera e trilhar a faculdade em pé de igualdade com todos os outros alunos.

Se existe ainda a pretensão de criar uma sociedade mais justa, se ainda podemos considerar as Universidades como centros de formação de pessoas que poderão pesquisar e desenvolver novas idéias, devemos iniciar a justiça social dentro delas mesmas. Não é possível chegar a um plano que respeite a pluralidade sem uma variedade de pessoas pensando justamente nestes problemas, sem levantar questões que sejam interiores e comuns às mais diferentes origens fabricadas por um país ainda desequilibrado.


André Sanches Natali

Análise feita para a disciplina Comunicação e Universidade - Profa. Dione Moura

2010

Bailarina

Mesmo tentando esquecer, a sapatilha me chuta para lembrar-me de que ela existe, vez ou outra se enganchando no meu bolso. Mas que tipo teria a idéia de me presentear com objeto tão curioso para guardar minhas chaves?

Uma sapatilha que não caberia no pé nem de uma pequena bailarina, por mais jovem que fosse, e é por isso que não cumpre sua função original e agora toma conta do que não nasceu pra proteger. Antes continuasse envolvendo pés pequenos e fortes, amarrando em segredo o punhado de machucados que só o pé de uma bailarina conhece, mas não; trancafia portas cada vez mais distantes.

Seria injustiça continuar acusando a sapatilha de se pendurar nas chaves, afinal eu mesmo as coloquei ali, juntas. Poderia ter usado como um amuleto em qualquer mochila esquecida nos poucos cantos livres do quarto e tenho certeza de que mesmo assim eu me lembraria dela. Espero que isso só acabe quando eu não tiver mais bolsos: os pés não precisarão mais se proteger.